Os francos e merovíngios

Os Francos formavam uma das várias tribos germânicas que adentraram o espaço do império romano a partir da Frísia e estabeleceram um reino que cobria a maior parte da atual França e na região da Francônia, origem da hoje Alemanha. Desde suas origens os francos costumavam dividir suas propriedades entre os filhos sobreviventes, e como não tinham senso republicano, conceberam o reino como uma grande extensão de uma propriedade privada.

A palavra franco significava livre na língua franca e esse povo originou-se de duas famílias principais: os Francos-Sálios, que quer dizer salgado, que espalhavam-se pelo baixo Reno, nos atuais Países Baixos, Bélgica e noroeste da Alemanha e os Francos do Reno ou Ripuários. Os Sálios foram mais importante enquanto a outra família habitava as margens do Reno e do rio Mosela. Os Francos apareceram na história em meados do século III, quando se mostraram temíveis no mar, principalmente em ações de pirataria pelas costas do mar do Norte e por terra, durante as invasões da Gália (258). Eles foram incluídos no Império Romano e alguns deles chegaram a ocupar o oficialato superior das legiões, como Merobaudo, general do Imperador Valentiniano (375). As invasões bárbaras (406) enfraqueceram o poder de Roma e os Francos souberam aproveitar-se para estender progressivamente suas fronteiras. Clódio (405-448), rei de uma tribo dos Salianos (430-448) conquistou o norte da Gália, enquanto que os Francos do Reno ocupavam aa Renânia atual. Do rei Clódio é que descenderam os Merovíngios e seu filho Meroveu é considerado o primeiro soberano da dinastia. Assim, os merovíngios, pertencentes ao povo germânico dos francos, fundaram a mais antiga dinastia monárquica da França.

O território governado pelos Merovíngios abrangia uma vasta área que cobria a moderna França, e partes da Alemanha, Suíça e Países Baixos, durante um período situado entre os séculos V e VIII da Era Cristã. Chamavam-se merovíngios por serem integrantes de uma família supostamente originária do pouco conhecido rei franco Meroveu, o fundador da dinastia, que, após dominar as tribos vizinhas, no final do século V impôs sua hegemonia na Gália. Mas foi seu neto, Clóvis I, o artífice desse poder, que conseguiu por sob uma única autoridade todas as tribos da Gália, consagrando o poder da Dinastia Merovíngia e levando os francos do paganismo ao Cristianismo (496). Clóvis unificou territorialmente sobre todos os reinos francos, que derrotou os romanos em Soissons (486), os Burginhões, antigo povo da Alsácia-Lorena, os Alamanos em Tolbiac (487), um povo germânico ocidental também conhecido como Suábios, e por último, aliou-se aos burgúndios e venceu os Visigodos, descendentes do povos godos que chegaram a ocupar a Gália e a Hispânia, na Batalha de Vouillé (507), pondo fim ao governo visigodo do monarca Alarico II, de Toulouse, o que lhe permitiu ocupar Bordéus, Tours e Angoulême, pondo fim a presença dos próprios descendentes godos, na França. Nesse interin o monarca havia convertido-se ao catolicismo (496) e lançou com isso as bases da monarquia francesa, fundada na união da igreja com o poder monárquico.

Com a morte de Clóvis (511), o reino foi dividido entre seus quatro filhos: Teodorico I, Clodomiro, Childeberto I e Clotário I: a leste, a Austrásia, com capital em Metz; a oeste, a Nêustria, em torno de Soissons; o reino de Paris; e ao sul o reino da Borgonha, cujo principal centro era Chalon-sur-Saône. Depois de uma série de lutas fratricidas, Clotário I, que sobreviveu aos três irmãos, unificou o reino franco e estabeleceu a capital em Paris (558). Três anos depois, o território dividiu-se novamente, agora entre seus herdeiros, e recomeçaram as lutas dinásticas. Os conflitos entre os próprios merovíngios e com a nobreza, a pressão de povos vizinhos, como os bretões, os lombardos e os gascões, e a acomodação progressiva dos soberanos em favor dos administradores palacianos, levou a dinastia a se consumir com o tempo. A unidade merovíngia ainda seria restabelecida (613), quando Clotário II, rei da Nêustria, herdou os outros reinos. No entanto, pouco durou essa unidade, já que com a morte (639) de Dagoberto, filho de Clotário II, o reino novamente dividiu-se, agora em duas partes: a Austrásia e a Borgonha.

Eles consideravam o reino como um mero bem pessoal e com base nos velho costume, distribuíam seus domínios com os seus filhos quando vislumbravam à morte. Seus filhos não tinham infância como príncipes reais e recebiam os títulos de reis automaticamente aos 12 anos, enquanto que a tarefa de governar era entregue aos Administradores do Palácio, ou Prefeitos do Palácio, os Maires du Palais, uma espécie de primeiro-ministro, provindos de ricas famílias aristocráticas e homens fortes do poder real. E assim sendo, com o tempo, o reino franco voltou a fragmentar-se, formando a Austrásia, a Nêustria, a Aquitânia e a Burgúndia, futura Borgonha, e seus titulares gozando de meras funções honoríficas. O poder realmente foi passando para as mãos dos Administradores do Palácio e entre eles destacaram-se, por exemplo, Carlos Martel, Pepino, o Breve e o pai de Carlos Magno, e Carlomano. Após a vitória de Carlos Martel sobre os sarracenos em Poitiers (732), onde as tropas muçulmanas foram finalmente repelidas, pouco tempo restava para os Merovíngios como uma linhagem de soberanos: com o apoio do papa Zacarias (741-752), Pepino destituiu (751) o último soberano merovíngio, Childerico III., internando-o em um mosteiro, enterrando definitivamente a Dinastia Merovíngia e substituindo-a pela chamada de Carolíngia.

Os reis merovíngios guardavam sinais ou costumes sagrados que os ligavam ao misticismo. A começar pela própria concepção de Meroveu, que tinha dois pais: um, o seu progenitor natural, outro, uma divindade marinha, o Quinotauro, que não resistira à beleza da dama grávida ao banhar-se no mar e com ela acasalara. Como imagem da suas divindades, esses reis tinham longas cabeleiras e barbas, pois nunca cortavam os cabelos, talvez numa possível referência a existência do bíblico Sansão. Eram considerados reis-sacerdotes, e conta-se que, de nascença, tinham uma cruz vermelha entre os ombros. Os seus trajes reais eram ornamentados com pendões que diziam ter poderes mágicos e curativos. Outras supostas tradições dizem que a família real era descendente de Jesus e de Maria Madalena. Haveria, então, uma linhagem que ia de Jesus até à dinastia dos Merovíngios, esses célebres reis que precederam Carlos Magno e a sua dinastia. Alguns autores já publicaram livros tratando os Merovíngios como uma ramificação de uma possível linhagem dos descendentes de Jesus, como no caso do polêmico e famosíssimo O Código da Vinci, do estadunidense Dan Brown (2005), best seller internacional e que virou filme de grande sucesso (2006).

Os últimos reis merovíngios, incapazes, preguiçosos e apáticos, ficaram conhecidos pelo epíteto de reis madraços, ou rois fainéants. Pepino, o Breve, ao depor o último merovíngio, e antes de o enviar para um mosteiro, ordenou que as suas longas cabelos fossem cortados, como sinal de humilhação e destituição do poder que detinha, à moda do acontecido ao personagem bíblico Sansão. Ao depor Childerico III, Pepino III, Maires du Palais da Austrásia, fundava uma nova e famosa dinastia, a chamada Carolíngia, por haver tido em seu filho Carlos Magno sua maior expressão política.

Deve-se observar que desde a conversão de Clóvis, o cristianismo foi a religião oficial nos domínios merovíngios e a igreja beneficiou-se tanto de inúmeras doações como de isenções de impostos. Além disso, graças à atividade de Santo Honorato e São Martinho e à chegada de monges irlandeses e italianos, houve grande incentivo à atividade monástica. Floresceram entre os merovíngios as artes plásticas, com magníficos esmaltes, e as letras, com relatos hagiográficos e obras literárias de uma qualidade que se pode avaliar pela História eclesiástica dos francos, do bispo Gregório de Tours. Fonte do texto.